quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Felicidade Interna Bruta

Alexandra Delfino de Sousa*

Cerca de 1.000 pessoas compareceram à I Conferência Nacional do FIB, realizada pelo Instituto Visão no SESC Pinheiros, em São Paulo, no dia 29 de outubro. Aos olhos de alguns, o tema parecia um tanto insólito: uma medida de felicidade nacional vinda de um país longínquo. O que teria o Butão a ensinar ao mundo? Muito. Nesses tempos em que a crise mundial é só mais um acontecimento a revelar o desequilíbrio de nossa sociedade, a receita do Butão é, no mínimo, uma fonte de inspiração – para nações, empresas e indivíduos.
Ao propor o FIB (Felicidade Interna Bruta), um índice de desenvolvimento que não leva em conta somente os aspectos materiais da existência, essa pequena nação asiática alerta: há mais do que dinheiro a se aspirar. Afinal, a ciência chamada Hedônica já provou que, após um determinado patamar de renda, ninguém fica mais feliz com o seu incremento.
A idéia do FIB não é nova e eu me lembro bem de um texto que circulou na internet há alguns anos, falando dessa tal felicidade bruta, que eu, na minha ignorância, pensava ser “coisa para budistas”. Talvez tivesse mesmo sido necessário um coração desapegado para conceber essa inovação, mas ela não está atrelada a nenhuma religião. Está, sim, ligada ao desenvolvimento de um povo. É uma idéia que o Canadá, a Inglaterra e a Tailândia já aprovaram e estão adaptando às suas realidades. Uma idéia que a ONU apóia e quer ver difundida, talvez em substituição às suas Metas do Milênio. Uma idéia que poderia ajudar a mudar, para melhor, o rumo das coisas no Brasil. Esta parecia ser justamente a esperança do público do evento, bem como de seus palestrantes – representantes do Butão, do Canadá e do Brasil.

A ONU, ao estabelecer o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 1993, de algum modo sinalizou que o Produto Interno Bruto (PIB) não era adequado para medir o desenvolvimento de um povo. O PIB mede um progresso que pode perfeitamente esconder retrocessos ou danos que seriam proibitivos, se fossem levados em consideração. Como ressaltou o secretário do verde e do meio ambiente do município de São Paulo, Eduardo Jorge, vender soja para alimentar os porcos da China faz o PIB do Brasil crescer, mas o custo para os ecossistemas, contudo, não se parece nem de longe com desenvolvimento.

Felicidade Interna Bruta
Uma humilde contribuição de um jovem rei – Dasho Karma Ura é o presidente do Centro para os Estudos do Butão, fundado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Mestre em economia, filosofia e política, ele explicou que o conceito do FIB é produto do insight de um jovem que, à época, contava apenas 20 anos: o rei Jigme Singye Wangchuck. “O FIB é uma humilde oferta do Butão para o mundo”, conta Karma Ura. Era 1986 e o monarca parecia antever que, nas décadas que se sucederiam, o mundo daria mostras de que o seu crescimento não fora seguido por um aumento de felicidade das pessoas.
O palestrante butanês reforçou que o PIB pode ser resultado da adoção de meios brutais para gerar índices de crescimento. “O mundo é bom em registrar dinheiro, mas é falho no que diz respeito ao capital humano e ao capital social, que fazem enorme diferença para a felicidade individual e a coletiva”, salientou.
Ele defende que o governo não deve deixar para os indivíduos sozinhos buscarem uma vida de bem-estar e felicidade: “Os governos deveriam ter como missão prover aos cidadãos meios para alcançarem as metas que são compartilhadas por todos os seres humanos: felicidade, satisfação na vida e bem-estar”.

Indicadores que balizam o orçamento – De acordo com Karma Ura, os índices do FIB avaliam e orientam o planejamento do desenvolvimento do Butão, dentro de nove dimensões:

  • bem-estar psicológico;
  • acesso à cultura;
  • proteção ambiental;
  • vitalidade comunitária;
  • boa saúde;
  • gerenciamento equilibrado do tempo;
  • bom padrão de vida econômica;
  • boa governança;
  • educação de qualidade.

O que o Butão faz é selecionar, para cada uma das dimensões, atributos que as compõem. Mede cada um dos atributos por meio de pesquisas junto à sua população e chega a um índice cujo valor máximo é 1,0. Hoje, o FIB do Butão é 0,6.

“Baseados nos nossos valores, precisamos formular indicadores”, disse o homem em belos trajes orientais. Mas essa não seria uma frase típica de um consultor de estratégia empresarial? Pois é, parece que devemos medir e acompanhar o que nos serve. A questão básica é definir o que nos serve.

Como se vê, o padrão de vida econômica apenas compõe o FIB e não o define, pois ele é definido por um conjunto de dimensões, tanto objetivas quanto subjetivas, que resumem o que serve para as pessoas daquele país e norteiam a criação de políticas e a definição do orçamento.
Uau! Para mim, que já trabalhei em uma empresa na qual a simples menção da palavra “subjetividade” causava arrepios na alta cúpula cartesiana, diria que isso sim é que é “inovação de ruptura”... Ruptura com séculos de primazia do Homem de Lata antes do final feliz (aquele de Oz, para quem faltava um coração, lembra?).

O exemplo do Butão, no mínimo, dá um bom caldo para uma política de Recursos Humanos. Mas, a considerar o papel das empresas na sociedade, também pode inspirar as relações com clientes e fornecedores, bem como a cidadania corporativa. Afinal, onde há seres humanos, há dimensões e dimensões.

De minha parte, plagiando o bem-humorado economista Ladislau Dowbor, que proferiu uma brilhante palestra no evento, “eu quero é uma Bruta Felicidade Interna!”. A importação dessas mesmas nove dimensões pelo Brasil já seria um início e tanto. Ficarei na torcida. Enquanto isso, vou rever as dimensões que me exprimem. Qual próximo de 1,0 estará meu FIB? E o da sua empresa?

Sousa, Alexandra Delfino
Administradora de empresas e diretora da Palavra Mestra

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O "Esperto" Johny


“Amanhã farei trinta anos”, pensava laconicamente Johny, enquanto olhava as paredes brancas daquele quarto onde havia passado os últimos noventa dias. “Quando é que havia começado tudo aquilo?” perguntava-se sem saber exatamente a resposta, procurando na memória, que não o ajudava muito, as lembranças que pudessem responder essa pergunta. Lembrava-se que desde muito novo se considerara diferente, pois era inteligente, simpático e muito querido por todos, tanto que os adultos o consideravam um menino prodígio. Lembrava-se também que na escola os professores e os colegas gostavam muito dele, porque ele contagiava a todos com seu bom humor. Essas lembranças traziam-lhe prazer e um leve sorriso se desenhou no seu rosto bonito, agora marcado pelas rugas e pelo envelhecimento precoce.

Mas de repente tudo desandou. O sorriso rapidamente desapareceu. Veio-lhe a mente a lembrança de sua primeira, de muitas expulsões na escola. Expulsaram-no porque fora apanhado com uma arma na mochila. Para ele andar armado era muito importante, porque afinal ele era um dos líderes da área. “Também tenho que defender a minha imagem. Quem é que eles pensam que são para me dizer o que fazer? Não passam de uns caretas!” Lembrava-se que esse desejo de se manter como o ícone da sua turma o levava a procurar brigas, criar rivalidades, humilhar aqueles “malditos CDFs”, que não faziam outra coisa a não ser estudar. “Como são atrasados esses caras! Estão na flor da idade e ficam aí estudando para uma profissão. Que bobagem, a gente tem é que aproveitar a vida agora” pensava Johny, “porque quem nos garante que amanhã ainda estaremos vivos”. Lembrava-se de Samantha, uma menina linda de quem ele gostava, embora ela não lhe desse atenção. Ela dizia que precisava estudar, porque queria ser médica. Aquilo o irritava, porque afinal ele era “o Cara” da escola e ela o ignorava. “Mas deixa pra lá, quem afinal está perdendo é ela!” pensava com uma arrogância digna de quem é o senhor da verdade. Assim continuava com sua rotina de farras. Todos os dias participava de alguma festa, muitas e muitas vezes até clarear o dia. Aos dezesseis anos sua primeira detenção por tráfico de drogas. Antes já havia tido passagens pela polícia por confusões, brigas, consumo de drogas e posse de armas, mas seu envolvimento com o tráfico aparecera somente agora. Logicamente por ser menor tiveram que soltá-lo rapidamente. Assim que retornou as ruas voltava a aterrorizar e a assustar muitos de seus ex-colegas. Teve que voltar para a sala de aula para não ser mandado para um centro de detenção para jovens e adolescentes. Era-lhe um suplício freqüentar as aulas com aquele bando de “babacas” e aqueles professores metidos a sabe tudo. Ao completar dezoito anos sentiu a plenitude da sua independência. Foi até a sala do diretor da escola, dizendo-lhe, “Por mim pode fechar esta espelunca, pois não serve para nada mesmo”. Chegou em casa pegou suas coisas e foi embora. Não precisaria mais de pai, nem de mãe, que também não passavam de uns chatos. O tempo foi passando e Johny continuava envolvido com muitas festas, álcool e drogas. Um dia, já com vinte e cinco anos, seus pais foram chamados porque haviam encontrado uma pessoa completamente nua, jogada num monte de lixo que atulhava uma das muitas ruas daquela cidade brasileira. Sim, lá estava o “Esperto” Johny, cheio de hematomas, desmaiado, tanto pelo espancamento como pelo excesso de drogas. Já não era o maioral da sua turma. Agora estava reduzido aquilo que sempre fora desde que quisera parecer tão esperto, um “otário”. Era apenas mais um daqueles muitos drogados e traficantes que se espalham pelos centros e bairros das cidades. Fora assaltado e espancado pelos seus “amigos” fornecedores de drogas, a quem não pagara. Seus pais o recolheram, levaram-no a casa, deram-lhe um banho e o conduziram a uma clínica de recuperação de dependentes químicos. Seriam três meses de tratamento e abstenção total do consumo de álcool e drogas. “Mas isso não poderia ser deste jeito”, afinal ele era Johny, “o Cara”, e não permaneceria todo esse tempo afastado da sua rotina. Passados os primeiros trinta dias de internamento, apesar das muitas visitas de seus pais, ele fugiu. Retornou ao seu círculo. E o círculo se fechou. Mais um internamento e mais uma fuga. Por fim, a última tentativa de seus pais. Parece que finalmente Johny havia entendido que jamais fora esperto. Aceitou passar o três meses na clínica. Tomara consciência que a vida deve ser vivida aos poucos, assim como ela nos é dada. Cada segundo, cada minuto, cada dia, cada ano na seqüência natural dos acontecimentos. Não há necessidade de querer acelerar os fatos. Via seus pais, que agora já estavam com mais de cinqüenta anos, mas eles pareciam mais jovens do que ele. Lembrava de alguns amigos que o visitaram nesse período de tratamento na clínica, também felizes e contentes, sem nunca terem tentado ser os mais espertos. Todos eles tinham sua profissão, a maioria deles estava casada e tinham seus filhos, enquanto ele, Johny, “o Esperto”, teria que começar tudo de novo. Começaria agora, aos trinta anos, porque a vida tem sua beleza em cada uma de suas etapas, desde que nós não as atropelemos.

Enquanto pensava nesses detalhes, buscando entender o momento em que deixara de ser aquele garoto que todos gostavam e se transformara no “Esperto Johny”, a porta se abre, entrando a doutora que o havia tratado. Uma mulher jovem, muito bonita com seu jaleco branco e com uma prancheta na mão: “Olá Johny, tudo bem contigo? Hoje é sexta-feira, teu último dia aqui conosco e amanhã você poderá comemorar teu aniversário em casa. Meus parabéns!” Johny a olhou e agradeceu “Muito obrigado, Samantha.” Era ela, a menina de quem ele gostara na sua infância e adolescência, que o ignorara para poder estudar, porque queria ser médica. Ela mesmo que o havia tratado nestes últimos três meses. Ele lhe dá um sorriso, agradece mais uma vez o tratamento, concluindo, timidamente “...posso convidá-la para almoçar conosco amanhã na casa de meus pais?” Ela lhe responde, “Obrigada, Johny, mas meu marido e eu vamos passar o final de semana na praia. Saímos assim que eu terminar o expediente. Mesmo assim muito obrigado!”
Ah, equilíbrio, como faria bem um pouco de equilíbrio na vida deste rapaz! Saber dosar o carisma pessoal com dedicação ao próximo...