segunda-feira, 25 de maio de 2009

A casa e o carro...

Ana Mari Zamprogna

Quando olho para uma casa penso em “lar..., refúgio..., aconchego..., segurança – casa – própria, alugada, apartamento - casa..., enfim, lugar onde se vive. Casa..., lugar para onde se vai.... se volta... se guarda coisas... se protege pessoas....se convive... se ama...se é feliz ou...infeliz...onde se guarda vida, pessoas...seres....sentimentos...histórias...!

Pensando em todas essas possibilidades e oportunidades de se viver/estar em casa, fiquei analisando as tendências da arquitetura e decoração das casas “modernas”. Parece tudo padronizado, inclusive as cores pastéis. Da cozinha à sala, aos quartos... é o mesmo tom – variações do bege e do marrom. O design é o mesmo.... as mesmas linhas...e a sensação também é a mesma. É um show-room – belo e impessoal....frio e distante. Ali nada aparece, tudo se guarda em grandes ou pequenos compartimentos, tudo se esconde...nada se mostra. A história se perde....o aconchego se esconde e o refúgio desaparece nas cores sem vida...ou não se mostra. Parece tudo preto e branco...sem cor e sem vida. Lembra aquele filme “A vida em preto e branco”...

Numa época em que se busca humanizar as relações interpessoais – na família, no trabalho, na vida social, na dinâmica das relações humanas, parece que o moderno vai de encontro a essas idéias – marcando ambientes bonitos, mas frios, requintados, mas inertes - despidos de vida e vivências, dos sentimentos e das histórias, das referências...dos sonhos de futuro...das coisas de Deus...Ciência....Universo – Homem/Mulher – ser humano – suas características..., suas polêmicas e suas nuances! É o que me parece.

A Terra é a nossa casa – nosso planeta é a nossa casa! E ela é cheia de coisas e particularidades...de marcas. Tem luz, tem sol, está sujeita à chuvas e trovoadas, ventos e fenômenos naturais, tem história, enfim, ..... tem vida.

Penso que é isso que devemos encontrar nas casas e moradias – a história de quem vive nelas, a vida de quem as habita, a emoção de quem as constrói e a alegria de quem as usufrui...tudo isso. No meu entender, as casas devem destinar-se ao viver..., não ao “estar”, não ao “parecer”, não ao “demonstrar”, não ao ‘esconder’.
Falo isso porque basta olhar as propagandas dos móveis modulados, de cozinhas e quartos, de salas....tudo parece igual..., sem cor....sem vida...sem emoção.
Parece que você está sempre dentro da loja, onde tudo está disposto da mesma maneira, sempre – bonito, mas impessoal e frio.

E se nós fazemos a história,...a vida...,as tendências seguem o nosso fazer, o nosso pensar, o nosso sentir....agir....e por aí...!

E saio desse pensamento para uma analogia bem simples e, para mim, bem poderosa – essas tendências entram nas nossas casas....nas nossas vidas, tal qual o conformismo e a apatia. Já não nos importamos, ou, se nos importamos não reagimos... à violência, à pedofilia, à corrupção....e aceitamos o futuro sem sonhos, sem cores e sem alegria. Basta tudo parecer bonito, limpo e chique! Mas podemos ser modernos e discretos, sem perder a essência, sem perder nossas características mais fortes – a da humanidade.

O carro...ah, ... este com certeza será moderno, mas, também deverá ser funcional para quem dele se utiliza – as pessoas... - o homem....a mulher....o idoso....com ou sem deficiência....o casal com crianças....com bichos... enfim.....fim.

terça-feira, 17 de março de 2009

Não é natural!!!

Moacir Jorge Rauber

Anaí estava feliz e orgulhosa. No dia 25 completaria 25 anos e poderia entrar em sua velha nova casa. Ela havia conseguido comprar uma casa muito antiga, numa região nobre da cidade, mas que reformou completamente. Foram meses de trabalho, mas estava valendo a pena cada tostão nela investido. Preservou nela tudo o que era possível do projeto original, mas também pôs nela tudo o que era imaginável de moderno, prático e tecnológico. A verdadeira casa do futuro. Luzes que se acendem com comando de voz, paredes interativas, entre outras maravilhas tecnológicas, com soluções integradas do começo ao fim.

Assim, dentro de sua própria casa poderia criar diferentes realidades virtuais, com mundos tridimensionais simulando que se está nele. Ela adorava o seu trabalho, onde recriava realidades que já não eram mais tão comuns. Baseava-se em documentários sobre a Amazônia, sobre a África e outros locais onde a fauna e a flora já haviam sido ricas para se inspirar, para oferecer aos seus clientes paisagens fabulosas, jardins maravilhosos, arranjos urbanísticos simplesmente inimagináveis, que a própria natureza não seria capaz de fazer melhor, segundo ela. Ela criava isso tudo, mesmo sendo completamente cosmopolita. Em toda sua existência não se lembrava de um contato direto com a natureza. Sempre esteve envolvida com os estudos, com seus computadores, com a internet e com o mundo virtual, que permitia a ela ter acesso a tudo sem ter que sair de casa. Inclusive com as impressões sensoriais permitidas pelo ambiente virtual. A natureza não lhe fazia falta.

Com esses pensamentos ela perambulava pela sua nova velha casa. Um ambiente para o trabalho, dividido em salas e muito espaço. Paredes inteiras que eram telas gigantes que permitiam visualizar suas criações. A área de serviço com tudo que se precisa para que o esforço humano seja mínimo. A sala de jantar e a cozinha envolvidas numa atmosfera futurística, numa construção centenária. Realmente estava tudo perfeito. Dirigiu-se até o seu quarto que teve atenção especial, porque quando não trabalhava era nele que passaria boa parte de seu tempo. Por fim resolveu abrir a imensa janela para arejá-lo. Puxou a cortina. Havia uma janela de vidro e por fora uma veneziana. A parede era bastante grossa e no espaço entre uma e outra percebeu um vaso de flor. Olhou um pouco desconfiada, mas a flor estava num ponto em que ela absorvia luz por uma fresta mal vedada pelos homens da reforma. “Bom, pelo menos a flor sobreviveu!” Observou-a, percebendo que ainda estava muito bonita. Tocou-lhe suavemente as folhas, pensando, “Posso ter pelo menos uma planta em casa” e em seguida levou-a, colocando-a sobre a mesa na sala de jantar. Seria única coisa viva, além dela, na casa. Não gostava de bichos.
Assim Anaí retomou sua rotina diária. Muito organizada e disciplinada, levantava todas as manhãs, olhava sua plantinha e se encaminhava ao trabalho. Saía muito pouco, uma vez que seus clientes a procuravam em sua casa. Tampouco era necessário sair para fazer compras ou ir ao banco, pois fazia isso tudo a partir de casa. Nos finais de semana se divertia com seus inúmeros jogos, usando suas luvas de dados, seus joysticks e toda a parafernália cibernética que lhe proporcionava imenso prazer, participando de campeonatos e competições com pessoas do mundo todo. Eventualmente se encontrava num ciber café com seus amigos de rede. Vez por outra fazia viagens de trabalho. O restante a sua casa lhe proporcionava. A rotina havia se instalado melhor do que o esperado. Feliz e realizada profissionalmente, a existência daquela planta em sua vida começou a despertar-lhe um sentimento muito estranho, mas gratificante. Realmente era prazeroso regá-la semanalmente, e observar a sua beleza. Ela estava tomando conta de uma vida. As folhas verdes, aquele caule fino e delicado, aqueles botões de flores que teimavam em não desabrochar, mas ela era paciente. Cuidaria e esperaria.
Certa manhã, enquanto regava cuidadosamente sua planta, Anaí fez-lhe um carinho, mas sem querer segurou numa de suas folhas com muita força arrancando-a do tronco. Aquele gesto atabalhoado lhe encheu de tristeza. Pode sentir a dor que a sua querida planta sentia ao ter arrancada uma de suas folhas. Parecia que a podia ver chorando, enquanto segurava na palma de sua mão aquela folha agora sem vida. Observou-a com o coração apertado e percebeu uma saliência estranha no ponto de ruptura com o caule. “Nossa, isso está parecendo um encaixe”. Analisou-a mais detalhadamente, forçou sua textura com a unha e exclamou “Não é natural!”.
Realmente não é natural que as pessoas passem suas vidas sem conhecer a natureza, levando as empresas para dentro de suas casas, sem a noção da diferença entre trabalho e lazer.