Moacir Jorge Rauber
A gestão de pessoas tem se travestido de muitos modismos em sua trajetória nos séculos 20 e 21. As influências de teóricos como Taylor, buscando maximizar a produção, e de Fayol, com sua divisão de planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar, contribuíram no papel atualmente desempenhado pelo departamento de pessoal, pela área de recursos humanos, de gestão de pessoas ou outro nome que se dê à área que regulamenta quem e como se trabalha em cada organização. Considere-se o conceito de gestão de pessoas, segundo Fisher e Fleury (1998), como o “conjunto de políticas e práticas definidas de uma organização para orientar o comportamento humano e as relações interpessoais no ambiente de trabalho” que, fundamentalmente, busca um colaborador produtivo, eficiente e eficaz, que traga os resultados esperados pela organização, como sempre.
Embora muitos desses modismos tenham sido concebidos em patamares diferentes, alguns voltados a processos, outros para atender a legislação, por fim todos eles têm em comum a melhoria dos resultados e, conseqüentemente dos lucros, objetivo primeiro de qualquer organização, seja ela pública ou privada, com fins econômicos ou não. Seja esse lucro financeiro ou outro, dependendo a finalidade para a qual foi constituída cada organização.
Hoje se tem trabalhado com uma tendência chamada gestão de pessoas por competência, que consiste em “implementar ações que permitam conhecer, potencializar, integrar e subsidiar a gestão das competências individuais e institucionais visando a auto-realização das pessoas e a excelência no cumprimento da missão institucional” (
http://www.prdu.rei.unicamp.br/gestao_por_processos/palestras/Palestra_Gestao_de_Pessoas.pdf). Deste modo, pessoas são contratadas pelos conhecimentos e pelas habilidades, mas são demitidas pelas atitudes.
Pessoas são avaliadas, no contexto de sua organização, em competências escolhidas pelos gestores como importantes para que a empresa alcance seus objetivos estabelecidos por meio de metas em seu planejamento estratégico e medidos por indicadores preestabelecidos. Nesse contexto, as organizações têm implementado programas de avaliação e gestão do desempenho do seu quadro funcional. Ao iniciar um processo de avaliação do desempenho as organizações têm tomado muitas precauções e cuidados na sua condução. Normalmente contrata-se uma consultoria para realizar o convencimento dos gestores da importância da implementação da metodologia. Esse convencimento é estendido aos níveis de coordenação, supervisão ou gerência, para finalmente alcançar os demais níveis organizacionais. Neste esforço são despendidos horas de treinamento, dinâmicas, cursos e jogos envolvendo e fazendo com que os colaboradores se convençam da importância da avaliação de desempenho, destacando-se que o maior beneficiário será o próprio colaborador. Criam-se grupos de gestão, processos de avaliação de consenso e motivam-se os colaboradores para que sejam transparentes em suas auto-avaliações, bem como nas avaliações dos colegas de trabalho, ao apontar seus pontos fortes e os fracos. Solicita-se que os responsáveis por cada área sejam profissionais na hora de dar o retorno para os seus colaboradores sobre a avaliação de desempenho consensada em um grupo, onde estavam os seus colegas de trabalho e, principalmente, o gestor. Por fim, pede-se que o avaliado receba as críticas ao seu desempenho de forma a detectar as inúmeras oportunidades para melhoria, sendo ele o grande beneficiado de todo o processo.
Apesar de todo cuidado na implementação de um programa de avaliação de desempenho por competências, muitas organizações pecam por não alinhar discurso e prática. Tome-se como exemplo uma organização que entre as competências escolhidas esteja a de Compromisso Institucional, que em sua forma conceitual pode ser entendida como comprometimento organizacional, segundo NORTHCAFT e NEALE apud MORAES et. al., 1995, p.178, é “mais que uma simples lealdade à organização, o comprometimento é um processo através do qual os indivíduos expressam sua preocupação com o bem-estar e o sucesso da organização em que atuam”. Considerando-se tal conceito numa avaliação de desempenho relativa a competência do Compromisso Institucional, em muitos casos, é usada a metáfora da galinha e do porco. Gestores contam a história do X-Bacon e do X-Eggs, illustrando a história dos ingredientes, da composição de cada um dos produtos, sem dar destaque aos elementos como pão, maionese, salada, catchup, entre outros. A ênfase da história se volta justamente a participação da galinha, no X-eggs, e do porco, no X-Bacon. A galinha somente dá o ovo e leva sua vida normalmente. O porco, ao contrário, dá sua própria vida para que o produto possa existir. Terminam sua história dizendo que precisam de colaboradores comprometidos com a organização, como o porco no X-Bacon. Reforçam a idéia que colaboradores somente envolvidos, como a galinha no X-Eggs, serem dispensáveis.
Por motivos como este, peca-se. O discurso de que o grande beneficiado do processo é o colaborador, cai por terra. Considera-se a metáfora do porco e da galinha, com esta ênfase, aplicados a vida organizacional de lamentável infelicidade. Isto porque se vive numa época em que todas as relações necessitam de uma via dupla de comunicação. Seja ela entre pessoas, entre organizações, entre países, entre espécies, enfim em todas as relações estabelecidas existe uma necessidade de reciprocidade para a sua manutenção. Se alguém dá o melhor de si, espera receber o melhor da parte com quem se relaciona. Se alguém está comprometido com a organização de forma semelhante ao porco com o X-Bacon qual a contrapartida da organização. Poderá a organização morrer pelo colaborador? Não. Da mesma forma nenhum colaborador deve morrer pela organização.
A partir desse ponto pode-se usar outra metáfora para avaliar se é melhor ter colaboradores envolvidos ou comprometidos. Tome-se como exemplo uma comparação entre namorados e casados. Os namorados, na maioria das vezes, vivem num estado superior de felicidade, onde são criativos, expansivos, capazes de anunciar seu amor e fazer loucuras para manter acesa sua chama, evitando cair na rotina, deixando bem claro todo o envolvimento existente. Por outro lado, os casados, muitas vezes, levam uma vida enfadonha e rotineira, resultado de comprometimento, sem a magia do envolvimento.
Transpondo as metáforas para a vida organizacional, pode-se questionar se faz mais falta um colaborador comprometido ou um colaborador envolvido. Particularmente, defende-se idéia que se necessita de um colaborador envolvido, que permita que ele seja criativo, sonhe, viaje, produza como um eterno namorado da organização. Não faz falta um colaborador comprometido, enfadonho, burocrático, sem alma, pois de acordo com a metáfora do porco e da galinha, ele já morreu pela empresa ou na empresa.
Portanto, buscam-se colaboradores envolvidos, encantados e enamorados de suas organizações, capazes de criar, sonhar e gerar resultados positivos uma, duas, três vezes e muitas vezes mais, assim como a galinha bota muitos ovos e sempre se renova ao poder colaborar na construção de outro X-Eggs. Assim como os namorados encantam, criam e declaram seu amor por meio de poemas, surpresas e não se cansam de repetir a grandiosidade da sua paixão. Essa reciprocidade do envolvimento é possível e viável também para as organizações, como a namorada que aceita o amor a ela dedicado e retribui de forma carinhosa, dando a atenção e o cuidado solicitado pelo namorado.
Por fim, as organizações prescindem de colaboradores comprometidos, que se dão tão somente uma vez, como o porco que sacrifica sua vida para doar o toucinho, ingrediente indispensável ao X-Bacon. Ou como o marido enfadado, com sua rotina matrimonial, que se joga no sofá para assistir a intermináveis partidas de futebol, embora comprometido. As organizações necessitam de colaboradores envolvidos e encantados com o seu trabalho que o fazem um sem número de vezes e continuam a fazê-lo com o mesmo entusiasmo, anunciando a todos a realização e o resultado do seu trabalho, assim como o namorado apaixonado que declama seu amor ou como a galinha que “cacareja” depois do serviço concluído.
Deste modo, independentemente do nome que tenha a gestão de pessoas numa organização, seja ela feita baseada em competências, com procedimentos de avaliação de desempenho ou de outra forma, o importante é que haja respeito e transparência deixando claro o que cada parte quer da outra. Nada contra o lucro ou a cobrança de resultado dos colaboradores, direito legítimo de cada organização, mas tudo contra a exigência de “comprometimento” sem a respectiva contrapartida. Acompanhar o desempenho dos colaboradores também é um direito organizacional, mas que seja feito demonstrando abertamente seus objetivos, porque é fácil identificar a diferença entre o discurso e a prática. Assim ter-se-á um colaborador eternamente envolvido, produtivo, encantado e enamorado de sua organização.