quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Quem avalia o avaliador?

Uma preocupação dos tempos atuais seja nos ambientes corporativo, político ou social é a sustentabilidade. Assim como no caso de outros temas que viraram história, parece que, para muitos, buscar a sustentabilidade é a resposta para todos os males do mundo moderno. Mas, parafraseando Madame Roland, me atrevo a afirmar: “Ó Sustentabilidade! Quantas barbaridades se cometem em teu nome”. Dentro do espaço corporativo, escolhi um tema potencialmente gerador de algumas dessas barbaridades: a Avaliação de Desempenho.

Com maior ou menor estruturação, as empresas atuais costumam organizar suas operações com o formato de processos. E as empresas mais conscientes procuram focar seus processos nos requisitos da sustentabilidade. Mas, que é sustentabilidade? Gosto de utilizar a seguinte definição, contida no Relatório Brundtland, de 1987: Sustentabilidade é “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas”. Mas, embora haja diferentes nuances nas definições de sustentabilidade para cada caso, elas sempre desembocam, ou pelo menos tangenciam, em questões éticas. E é ao evitar ou esquecer de discutir tais questões que as organizações podem cometer algumas barbaridades.
Considero o desempenho das pessoas uma das peças fundamentais para a sustentabilidade das empresas. Por isso, proponho uma reflexão sobre sustentabilidade e ética na etapa mais crítica de um sistema de gestão do desempenho: o processo de Avaliação do Desempenho. Usarei três lentes para examinar a questão: Respeito, Lealdade e Transparência. Se olharmos isentamente tal processo, podemos notar que ele tem muitas características de um verdadeiro tribunal de exceção, sem defesa e sem júri. Entretanto ele é fundamental e imprescindível para o sucesso, tanto das organizações como das pessoas que a constituem. Por isso, defendo que seja mantido e valorizado sem jamais perder de vista suas questões éticas que podem impactar a vida de seres humanos. No livro “A 25ª hora”, de C. Virgil Gheorghiu (Lisboa: Bertrand, 1973), existe um diálogo (numa discussão sobre o envio de operários escravos para a Alemanha) que expressa bem como podemos esquecer do lado humano das pessoas sem sequer nos darmos conta disso:
- Isto é o que há de mais grave – disse o Conde. – Sim, porque isso quer dizer que não tens respeito nenhum pelo ser humano. E tu também és um ser humano. Não tens portanto respeito algum por ti mesmo.
- Eu respeito cada homem segundo o seu valor – disse Luciano. – Não creio que tenhas motivo de queixa contra mim nesse sentido.
- Respeitas o homem como respeitas o teu automóvel, porque representa um certo valor.”
E aí vem a primeira questão. Quanto os processos de avaliação – e o uso que se faz dos seus resultados – respeitam as pessoas como seres humanos? Quem avalia o desempenho de alguém deve entender que seu pronunciamento é uma verdadeira sentença que pode alavancar ou bloquear uma vida profissional e pessoal. Vai decidir, ou pelo menos influenciar, o futuro da pessoa avaliada. Mas, atenção!, não é só o futuro profissional. Trata-se da vida de alguém que tem família, tem amigos, tem sonhos. Enfatizo: o desempenho profissional é apenas um dos componentes do mosaico que é a vida de cada um. Não podemos limitar as pessoas a serem apenas o “capital humano” das empresas. Respeitar o ser humano que está sendo avaliado é a primeira das lentes que proponho para olhar esse processo. E pode ser a menos difícil de usar.
A lealdade talvez seja o item mais crítico a ser observado. Lealdade aqui significa usar este instrumento sem finalidades do jogo político ou financeiro. Quem avalia tem condição de fazer uma avaliação isenta de meras opiniões pessoais, potencialmente contaminadas com sentimentos de simpatia ou aversão? Há uma preparação cuidadosa dos avaliadores para serem juizes do desempenho alheio? E como são preparados os avaliados para fazerem sua auto-avaliação e entenderem o papel do avaliador? Quem avalia o avaliador? A avaliação é fundamentada em observações criticamente criteriosas, que consideram todas as variáveis que podem impactar o desempenho? E, ainda sob esta lente, o uso que se faz dos resultados da avaliação está focado apenas nos interesses da empresa ou há espaço para valorizar o ser humano e suas aspirações pessoais? (Para estas e outras questões de lealdade, sugiro assistir o filme “A questão humana” – Direção de Nicolas Klotz, 2007).
E, enfim, é preciso reconhecer que as organizações empresariais não devem nem podem ser instituições de benemerência. Elas sobrevivem pelo desempenho das pessoas que a corporificam. E é aí que entra a lente da transparência. O bom desempenho é indispensável para a sustentabilidade das empresas; mas não pode deixar de lado a sustentabilidade da pessoa avaliada. O avaliado deve ter claro o que se espera dele; precisa ser informado claramente sobre como está sendo observado seu desempenho; tem todo o direito de saber os planos reais que a empresa tem para ele: sejam de progresso, correções ou até realinhamentos da carreira e desligamento. Sem eufemismos que lancem verdadeiras cortinas de fumaça sobre questões delicadas. É através do tratamento justo, indispensável para que a transparência exista, que uma pessoa que trabalha numa organização pode ser considerada não apenas pelo seu valor, como um objeto, mas como um ser humano integral.
Claro que estas questões não têm todas as respostas, ainda. Meu intuito é provocar a discussão do tema. Não podemos, todos os responsáveis pela gestão de pessoas, ter receio de enfrentar os aspectos mais difíceis do tema. É fazendo perguntas e buscando as respostas para elas que o ser humano evolui.
Toledo Jr, Paulo Celso de Paulo Celso de Toledo Jr - Diretor de Projetos da LCZ Consultoria em Desenvolvimento de Pessoas e Organizações.

Puclicado em:
http://www.hsm.com.br/editorias/gestaodepessoas/Quem_avalia_avaliador.php?ppag=1

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