terça-feira, 17 de março de 2009

Não é natural!!!

Moacir Jorge Rauber

Anaí estava feliz e orgulhosa. No dia 25 completaria 25 anos e poderia entrar em sua velha nova casa. Ela havia conseguido comprar uma casa muito antiga, numa região nobre da cidade, mas que reformou completamente. Foram meses de trabalho, mas estava valendo a pena cada tostão nela investido. Preservou nela tudo o que era possível do projeto original, mas também pôs nela tudo o que era imaginável de moderno, prático e tecnológico. A verdadeira casa do futuro. Luzes que se acendem com comando de voz, paredes interativas, entre outras maravilhas tecnológicas, com soluções integradas do começo ao fim.

Assim, dentro de sua própria casa poderia criar diferentes realidades virtuais, com mundos tridimensionais simulando que se está nele. Ela adorava o seu trabalho, onde recriava realidades que já não eram mais tão comuns. Baseava-se em documentários sobre a Amazônia, sobre a África e outros locais onde a fauna e a flora já haviam sido ricas para se inspirar, para oferecer aos seus clientes paisagens fabulosas, jardins maravilhosos, arranjos urbanísticos simplesmente inimagináveis, que a própria natureza não seria capaz de fazer melhor, segundo ela. Ela criava isso tudo, mesmo sendo completamente cosmopolita. Em toda sua existência não se lembrava de um contato direto com a natureza. Sempre esteve envolvida com os estudos, com seus computadores, com a internet e com o mundo virtual, que permitia a ela ter acesso a tudo sem ter que sair de casa. Inclusive com as impressões sensoriais permitidas pelo ambiente virtual. A natureza não lhe fazia falta.

Com esses pensamentos ela perambulava pela sua nova velha casa. Um ambiente para o trabalho, dividido em salas e muito espaço. Paredes inteiras que eram telas gigantes que permitiam visualizar suas criações. A área de serviço com tudo que se precisa para que o esforço humano seja mínimo. A sala de jantar e a cozinha envolvidas numa atmosfera futurística, numa construção centenária. Realmente estava tudo perfeito. Dirigiu-se até o seu quarto que teve atenção especial, porque quando não trabalhava era nele que passaria boa parte de seu tempo. Por fim resolveu abrir a imensa janela para arejá-lo. Puxou a cortina. Havia uma janela de vidro e por fora uma veneziana. A parede era bastante grossa e no espaço entre uma e outra percebeu um vaso de flor. Olhou um pouco desconfiada, mas a flor estava num ponto em que ela absorvia luz por uma fresta mal vedada pelos homens da reforma. “Bom, pelo menos a flor sobreviveu!” Observou-a, percebendo que ainda estava muito bonita. Tocou-lhe suavemente as folhas, pensando, “Posso ter pelo menos uma planta em casa” e em seguida levou-a, colocando-a sobre a mesa na sala de jantar. Seria única coisa viva, além dela, na casa. Não gostava de bichos.
Assim Anaí retomou sua rotina diária. Muito organizada e disciplinada, levantava todas as manhãs, olhava sua plantinha e se encaminhava ao trabalho. Saía muito pouco, uma vez que seus clientes a procuravam em sua casa. Tampouco era necessário sair para fazer compras ou ir ao banco, pois fazia isso tudo a partir de casa. Nos finais de semana se divertia com seus inúmeros jogos, usando suas luvas de dados, seus joysticks e toda a parafernália cibernética que lhe proporcionava imenso prazer, participando de campeonatos e competições com pessoas do mundo todo. Eventualmente se encontrava num ciber café com seus amigos de rede. Vez por outra fazia viagens de trabalho. O restante a sua casa lhe proporcionava. A rotina havia se instalado melhor do que o esperado. Feliz e realizada profissionalmente, a existência daquela planta em sua vida começou a despertar-lhe um sentimento muito estranho, mas gratificante. Realmente era prazeroso regá-la semanalmente, e observar a sua beleza. Ela estava tomando conta de uma vida. As folhas verdes, aquele caule fino e delicado, aqueles botões de flores que teimavam em não desabrochar, mas ela era paciente. Cuidaria e esperaria.
Certa manhã, enquanto regava cuidadosamente sua planta, Anaí fez-lhe um carinho, mas sem querer segurou numa de suas folhas com muita força arrancando-a do tronco. Aquele gesto atabalhoado lhe encheu de tristeza. Pode sentir a dor que a sua querida planta sentia ao ter arrancada uma de suas folhas. Parecia que a podia ver chorando, enquanto segurava na palma de sua mão aquela folha agora sem vida. Observou-a com o coração apertado e percebeu uma saliência estranha no ponto de ruptura com o caule. “Nossa, isso está parecendo um encaixe”. Analisou-a mais detalhadamente, forçou sua textura com a unha e exclamou “Não é natural!”.
Realmente não é natural que as pessoas passem suas vidas sem conhecer a natureza, levando as empresas para dentro de suas casas, sem a noção da diferença entre trabalho e lazer.

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